"O escritor é uma das criaturas mais neuróticas que existem: ele não sabe viver ao vivo, ele vive através de reflexos, espelhos, imagens, palavras. O não-real, o não-palpável. Você me dizia "que diferença entre você e um livro seu". Eu não sou o que escrevo ou sim, mas de muitos jeitos. Alguns estranhos."

Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 25 de julho de 2012

" Ô, Zé, ando tão desorientado, já faz tempo. E me escondo, e não procuro ninguém, e fico mastigando a minha desorientação."



"Zézim, vezenquando me dá um ódio de São Paulo e da grande cidade, e depois uma cidade pequenininha me dá uma coisa n’alma, sabe como? uma sensação de estar longe demais de tudo. Vezenquando eu penso que da cidade pequena pra cidade grande alguma coisa se perdeu dentro da gente — me sinto como uma coluna vertebral sem uma vértebra, portanto insustentável. Daí vou pensando um pouco mais nisso e então me dói mais fundo, porque me parece irremediável, inconsertável, insubstituível esse elo, essa vértebra perdida.

Em Recife eu caminhava pensando: que que eu tô procurando aqui, meu deus? Aqui, caminho pensando: que que eu vim fazer aqui, meu deus? Não é uma questão de paisagem exterior, portanto? Mas mal suporto meus próprios pensamentos & sentimentos. É uma grande crise burguesa? Olhando desse jeito, sou só um pequeno burguês, filho da classe média, colonizado culturalmente, devorado por essas angústias abstratas de quem tem barriga cheia e cabeça cheia de inutilidades consumistas? Mas não sei se consigo me reduzir assim, a um simples esquema ideológico. E mesmo que conseguisse: o que vem depois?"

"Eu não quero pensar no que virá: quero pensar no que é. Agora. No que está sendo. Pensar no que ainda não veio é fugir, buscar apoio em coisas externas a mim, de cuja consistência não posso duvidar porque não a conheço. Pensar no que está sendo, ou antes, não, não pensar, mas enfrentar e penetrar no que está sendo é coragem. Pensar é ainda fuga: aprender subjetivamente a realidade de maneira a não assustar. Entrar nela significa viver."

Caio Fernando Abreu